Tito Camello, aquele que foi alfabetizado pelos quadrinhos da Disney e hoje é um talento em ascensão no mundo dos quadrinhos. Com indicação ao Prêmio HQ Mix na categoria Novo Talento, por sua HQ Blue Jay Samurai, Tito é um artista sempre em evolução que possui referencias artísticas tanto clássicas quanto contemporâneas, sua arte está sempre em evolução, trazendo assim consigo um estilo próprio único. Então vamos ao bate papo que tivemos para nosso evento do Free Comic Book Day.
(CS) Cara curti muito teu trampo, sua arte é fenomenal de verdade, diz pra mim como você começou no mundo dos quadrinhos?
(TC) Fala, Vitor. Então, eu não sei distinguir exatamente como eu comecei no mundo dos quadrinhos porque as HQs sempre foram muito presentes na minha vida desde muito cedo. Eu fui alfabetizado pela minha mãe com gibis da Disney antes mesmo de começar a frequentar a escola. Sempre li e colecionei HQs e sempre tentava desenhar os personagens quando eu era guri, então meu envolvimento com os quadrinhos e com a arte sempre foi algo natural.
Mas posso dizer que comecei a desenhar HQs de modo mais "profissional" (evito usar esse termo porque não vivo profissionalmente dos quadrinhos) em 2009, quando eu frequentei um curso de desenho de quadrinhos no Rio de Janeiro. Eu e outros três alunos começamos um fanzine pra pôr em prática o que a gente aprendia no curso. Foi algo totalmente descompromissado, uma ideia que surgiu numa roda de cerveja na mesa de bar que a gente sempre frequentava depois das aulas do curso.
Mas a ideia vingou, cresceu e tomou forma e esse fanzine, que a gente batizou de EL FANZINE, acabou se tornando um pequeno coletivo, que perdurou até bem depois daquele curso acabar. O coletivo El Fanzine durou até 2017, publicou de forma independente cinco edições, com material produzido pra internet e com colaboração internacional com uma revista de Portugal. Depois do fim, cada um dos membros do coletivo seguiu seu caminho e tocou seus projetos.
Eu lancei de forma totalmente independente meu primeiro trabalho solo em 2018, a HQ "Blue Jay Samurai", com a qual fui indicado ao Prêmio HQ Mix, na categoria "Novo talento - desenhista". Depois disso fiz alguns outros trabalhos, como os desenhos para uma história numa antologia da editora Draco, algumas histórias comissionadas para o exterior e hoje trabalho no roteiro da minha segunda HQ solo.
(CS) Cara sensacional sua história, o que começou bem descompromissado tomou uma proporção até internacional, muito bacana. Blue Jay Samurai, tem uma arte incrível, diz pra mim quais suas referências de artistas, quais os artistas que tem te motivado ou motivam?
(TC) Cara, essa pergunta é sempre difícil de responder porque as minhas referências mudam muito com o passar do tempo. Sempre estou pesquisando novos artistas, estudando novas formas de desenho e produção, e diferentes profissionais me inspiram em diferentes momentos.
Mas posso citar alguns nomes que sempre foram presentes na minha formação enquanto desenhista de quadrinhos, como John Romita, John Buscema, Katsuhiro Otomo, Mike Zeck, García-Lopez, Marc Silvestri, Rick Leonardi, Romita Jr, Marcelo Cassaro, Watson Portela, Tom Grummet e muitos outros que nem consigo lembrar. Eu lia muitos quadrinhos de heróis quando era guri nos anos 80/90 e eu tentava copiar e aprender com esses caras, que foram meus "primeiros professores".
Depois, já adulto, passei a pesquisar outors grandes mestres, como Milton Caniff, Moebius, Mazzucheli, Sienkiewicz, Roy Crane, Go Nagai, além de artistas como Basquiat, Norman Rockwell, Frazetta, Burne Hogart, Loomis, Bridgman, e também os artistas clássicos.
Mas recentemente, tenho acompanhado vários desenhistas contemporâneos, como Paul Pope, Greg Tocchini, Daniel Warren Johnson, David Rubín, Jared Muralt, Ivan Reis, Rafael Grampá, Karl Kopinsky, Tula Lotay, Sean Murphy, Dan Mora e muitos outros que me inspiram e com quem tento aprender cada vez mais. Muita gente boa. A internet é ótima pra se descobrir novos e sensacionais artistas (haha).
(CS) Nossa são tantas referências (haha). Eu notei a referência dos desenhos do Daniel Warren Johnson no seu traço, foi uma das primeiras coisas que notei. E como foi a experiencia de produzir do 0 seu primeiro quadrinho? Desenhar, escrever, produzir... sei que não é algo fácil.
(TC) Eu comecei com histórias bem curtinhas, mais como um exercício pra pôr em prática o que eu estava estudando. Minha primeira HQ tinha só quatro páginas, e saiu no El Fanzine 1 (que a gente produziu de forma toda artesanal, com xerox e grampo de escritório). O trabalho foi bastante amador porque eu ainda não dominava os processos de produção. Desenhei no papel sulfite A4 mesmo, usando só lápis e caneta nanquim. Nem sabia ajustar a imagem no computador ainda e, mesmo só nessas quatro páginas, cometi muitos erros de narrativa e composição.
Depois, fiz uma outra história para a segunda edição, desta vez com cinco páginas. Na terceira edição fiz duas histórias, uma com quatro páginas e outra de oito. Já na quarta edição fiz uma HQ de 15 páginas e fui escalando. Nessa época o fanzine já tinha bem mais páginas, formato americano e era impresso em gráfica. O legal de se fazer fanzine é que você pode aprender muito sobre o processo enquanto vai produzindo. Fica mais fácil pra você verificar seus erros e ir se ajustando sem comprometer um projeto longo por conta de um vacilo de iniciante.
Quando decidi partir pra meu projeto solo, eu já tinha estudado muito, errado bastante nas experiências anteriores, e aprendido muito com esses erros, o que me deixou com segurança pra investir numa HQ maior. Como as histórias eram sempre curtas, não demandavam roteiros muito complexos, então escrever não era uma parte muito difícil.
Normalmente eu não escrevo roteiros muito bem definidos. Faço anotações de ideias e escrevo enquanto produzo as thumbnails, então era algo que fluía com naturalidade. A parte trabalhosa mesmo era compor a página, acertar o ritmo, desenhar, corrigir, desenhar de novo, depois arte-finalizar e partir pra parte mais chata, que era a digitalização das páginas e os ajustes no computador.
(CS) Você falou das primeiras histórias em que trabalhou, mas como foi produzir e fazer todo o processo de Blue Jay Samurai até o seu lançamento? (Roteiro, arte, ideia, referências, lançamento...)
(TC) Eu não sei dizer exatamente quando o Blue Jay Samurai surgiu. A história é resultado de uma experiência pela qual passei há muitos anos e que eu sempre pensei em botar no papel um dia, mas eu nunca havia pensado num roteiro específico pra isso. Mas lembro que discuti a ideia básica do roteiro pela primeira vez no FIQ 2018 com o quadrinista Giorgio Galli, amigão e parceiro de eventos de quadrinhos.
Eu tinha só um esboço do que queria fazer e não estava muito seguro se deveria ou não seguir com esse projeto, mas o Giorgio curtiu bastante e me incentivou a botar no papel. Então, sentei na prancheta nos meses seguintes e finalizei a HQ toda a tempo para a CCXP daquele ano.
O processo de produção não foi difícil em si, mas eu tive que correr para conseguir fechar tudo pro evento, já que eu havia inscrito a HQ na seleção de trabalhos pra CCXP antes mesmo de começar a desenhar (não façam isso, rsrs) e, como o trabalho foi aprovado, eu tinha que terminar no prazo de uma forma ou de outra. Então, sem tempo a perder, esbocei o roteiro no papel, trabalhei no design dos personagens principais e comecei a desenhar.
Eu ajustava o roteiro conforme ia desenhando, descartando ideias e criando coisas novas. Minha intenção era que o Blue Jay Samurai fosse uma HQ colorida, mas me convenci de que não teria o tempo necessário para colorir tudo. Depois de três meses intensos de trabalho, consegui fechar o arquivo no prazo e mandar pra gráfica. Blue Jay Samurai foi impresso de forma totalmente independente (bancado do meu bolso) e publicado na CCXP 2018.
(CS) Meu Deus, que correria (haha) mas ainda bem que conseguiu tudo a tempo, e que teve um bom incentivo para tirar a ideia da cabeça e colocar ela em prática. O que tem sido para você desenhar quadrinhos, como isso tem te ajudado além de ser seu trabalho também?
(TC) Eu sempre desenhei, desde bem gurizinho, e sempre li e gostei de quadrinhos, então desenhar HQs pra mim é algo bem natural e está sendo ótimo. Fiz vários amigos no meio dos artistas, conheci muita gente nova, aprendi muitas coisas. É bastante trabalhoso produzir um gibi, mas é muito gratificante ver teu trabalho impresso e circulando, e saber que tem pessoas que leem e curtem a tua arte.
Mas, como eu já disse anteriormente, desenhar quadrinhos não é a minha principal atividade profissional. Eu trabalho numa universidade, com carga horária de 40 horas semanais, e só desenho no meu tempo livre, o que não é muito. Esse é o principal motivo por eu não conseguir abraçar grandes projetos por enquanto. Eu não teria disponibilidade de tempo pra me debruçar numa história muito longa sem acabar atrasando.
(CS) Seu esforço em produzir e trazer vida a sua arte mesmo com um tempo curto de uma vida dupla pode ter certeza que está valendo todo o esforço. Mas mesmo com essa dificuldade ainda fica aquela curiosidade, quais seus planos para o futuro, tem mais algum quadrinho que esteja participando ou criando? Tem mais produção autoral vindo por aí ou algum trabalho internacional?
(TC) No momento, estou escrevendo um roteiro para minha próxima HQ, mas tudo está bastante embrionário ainda, de modo que não posso falar muito sobre ela, mas vai ser uma HQ com mais páginas, meu primeiro projeto mais vultoso, que devo começar a desenhar no final do ano para ser lançada em 2022.
Fora isso, fui contratado para desenvolver os designs dos personagens para a graphic novel de um roteirista (a HQ será desenhada por um outro artista), também estou ilustrando algumas commissions e devo começar em breve a desenhar uma história curta para o Almanaque do personagem Salomão Ventura, do autor Giorgio Galli. Também estou em negociação para produzir material para a Editora Mamakooza.
No momento, não estou envolvido em nenhum projeto internacional, mas desenhei uma HQ curta para um cliente da Alemanha há uns três meses. Acredito que já deve ter sido lançada por lá.
(CS) Para finalizar, pro pessoal que está vendo seu trabalho que temos a honra de estar divulgando durante o Free Comic Book Day, você gostaria de deixar uma mensagem pro pessoal que vai ver sua arte e seus trabalhos?
Eu gostaria de agradecer o convite para participar deste evento e pela oportunidade de trocar uma ideia com você, Vitor. Falar sobre quadrinhos é sempre um prazer e essa conversa foi bem bacana, uma oportunidade legal de divulgar o meu trabalho aqui para os amigos da Comics and Signatures.
Também deixo aqui meu agradecimento ao Matheus, que é muito gente boa (e traz da gringa umas HQs pra mim de vez em quando, rsrs). No mais, eu gostaria de convidar a todos a conhecer meu trabalho lá no instagram (@titocamello) e também no ArtStation. Estou sempre postando material por lá e vai ser bem bacana poder receber todos e trocar uma ideia por lá. É isso, bora fazer quadrinhos!